quinta-feira, 12 de julho de 2012

Santuário de Nossa Srª da Piedade

Foto: Olho Digital

O Santuário da Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos, de Penafiel, começou a ser construído numa segunda-feira, 1 de Fevereiro de 1886,quando então se procedeu ao desbravamento dos terrenos em que o monumento religioso iria ser levantado, e se rasgaram os primeiros caboucos para o assentamento dos seus alicerces.
O arranque da edificação, segundo o projecto do Eng.º Jorge Pereira Leite, de Lisboa, ficou a dever-se ao dinamismo, determinação e entusiasmo dos irmãos da Confraria de Nossa Senhora da Piedade em íntima colaboração com os irmãos da Confraria dos Santos Passos sobressaindo, de um modo muito particular, a incansável acção dos seus respectivos juízes, José Maria Pinto e Domingos José Vilela. Aliás estas devotas irmandades penafidelenses haviam-se já fundido, em 22 de Abril de 1885, numa única congregação religiosa – a Confraria de Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos – de modo a conjugar uma perfeita sinergia de esforços com vista à ingente tarefa de dar concretização ao seu grande desiderato comum: - o levantamento, no cimo do Monte de S. Bartolomeu (também conhecido por Monte do Povo, Monte da Forca ou Monte Maninho), de um moderno e magnificente templo que ficaria assim bem sobranceiro à cidade de Penafiel, dominado toda a parte alta de urbe e amplas zonas circundantes que se alongam até ao longínquo limite do seu belíssimo horizonte natural.
Esse sonho de erguer um templo na parte mais elevada da cidade, que ficaria sendo como um testemunho perene e marco majestoso da fé das gentes de Penafiel, já havia tenuemente despontado em 1804, quando confraria dos Santos Passos pretendeu erigir uma capela do Calvário na vertente ocidental do mesmo Monte de S. Bartolomeu. Pensava-se então, em aproveitar as desamparadas ruínas da antiga capela de invocação do santo que dava o nome a esse outeiro maninho; e que se situava no seu extremo poente, quase a meio do largo que se abria no topo da velha Rua de Cimo de Vila (actual Rua Alfredo Pereira). Tal empresa, porém, nunca chegou a bom termo.
O culto da nossa Senhora da Piedade bem como o culto dos Santos Passos foi transferido, por acordo mútuo das duas confrarias, para a parte alta da cidade, para uma área dos terrenos de logradouro público do Monte de S. Bartolomeu; terrenos esses que a Câmara Municipal lhe havia cedido, em 1882, para que aí se fizesse a nova edificação das suas duas capelas que, entretanto, haviam sido demolidas, por expropriação camarária, devido às obras de construção da praça do Mercado da Alegria. Mas em vez de edificar duas pequenas igrejas em separado, as confrarias acharam por bem que seria melhor, para proveito da fé, erigir um único templo, mais imponente e de muito maior dimensão, dedicado ao culto da Senhora da Piedade e dos Santos Passos.


Quando se tornou oportuno meter mãos à obra, foi então utilizado o já referido projecto da autoria do Eng.º Pereira Leite, que o presidente da Edilidade, Manuel Pedro Guedes (Casa da Aveleda), mandou desenhar e ofereceu, em 1885, às respectivas confrarias agora já reunidas numa só. O projecto, que custou 200$00 réis, incluía, para além da planta da nova igreja, o debuxo de um pequeno hotel e de um frondoso parque circunjacente – e esteve patente ao exame público, durante quinze dias, no salão nobre dos paços do concelho. [E esta foi, entre as muitas mais que foram aparecendo ao longo de demasiadas décadas, a primeira grande dádiva concedida, a Título pessoal, para as obras do futuro Santuário].
Primeiramente, porém, havia aparecido um outro traçado de autoria do Eng.º Manuel Maria Ricardo Correia, sem dúvida mais imponente mas mais dispendioso, que com certeza deve ter servido de ideia base para a planta final do Eng.º Pereira Leite. Este técnico desenhista procurou assim fazer uma adaptação mais simplificada e mesmo um tanto alterada do risco primitivo.
Resolvido que estava o problema do projecto e da definitiva localização do novo templo dedicado á Senhora da Piedade e Santos Passos – e com as verbas que as duas confrarias, ainda separadamente, haviam recebido da Câmara de Penafiel como pagamento das expropriações das suas capelas demolidas -, iniciaram-se, mas só em 1889, as obras de avanel, já depois de concluída parte das fundações em 1886. Ora por aqui já se pode ajuizar que, logo desde os primórdios da construção, a regularidade do ritmo dos trabalhos vai sofrer, mais amiudadamente que seria de desejar, arreliadoras e estagnantes quebras ao longo de quase três quartos de século.
Entretanto, com a preciosa ajuda de ofertas e donativos vários, e a avultada dádiva, ainda nesse ano de 1889, de um benemérito penafidelense emigrante no Brasil, as obras lá foram prosseguindo, não tanto no célebre andamento que se pretendia, mas mesmo assim com alguma continuidade. Porém, a sempre incerta sequência dos trabalhos foi, por razões financeiras, bastas vezes interrupta ao longo dos tempos.
E assim, já depois de concluída o fechamento do arco cruzeiro da capela-mor em 1891, recomeçaram em Junho de 1893 os trabalhos de alvenaria, esperando-se convictamente que “não fossem mais interrompidos, enquanto não tivesse completa e pronta a capela-mor do templo, com vista a poder então ser celebrada missa aos domingos e dias santificados”. O que é facto, na verdade, é que a 23 do referido mês e ano, encontrava-se já acabada a obra de pedreiro dessa capela-mor, tendo para tal muito concorrido a presmistosa colaboração do pessoal técnico e operários que a Câmara Municipal havia disponibilizado (sem prejuízo dos trabalhos camarários), com vista a incrementar as obras da construção do nascedouro templo. E, lentamente, lá ia avultuando na semi-aridez do monte cimeiro da cidade a silhueta ainda imperfeita – embora deixando-se adivinhar como majestosa – desse santuário até agora só feito de esperanças, mas que era, mesmo assim, já forte motivo de orgulho das gentes de Penafiel.
Ora, por essa época, o interesse demonstrado pelo audacioso empreendimento empolgava a todos, tendo-se então destacado com notáveis beneméritos das obras de edificação do futuro Santuário de Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos as seguintes individualidades da sociedade penafidelense: - Presidente da Edilidade, Manuel Pedro Guedes, atrás referido: Joaquim Pereira Sotto Mayor e Meneses (Casa de Cabanelas); Simão Júlio de Almeida Mota Barbosa, superintendente das obras em curso  pai do poeta José Júlio; José Maria Pinto Monteiro; José Maria Pinto; José Soares de Carvalho; António Pereira de Sousa Mota e muitas outras destacadas personalidades pertencentes às melhores famílias da cidade e do concelho. Outrossim, tinha-se aberto nas colunas do jornal O Penafidelense uma subscrição de benfeitores em que se realçavam nomes como: Conde de S. Salvador e Matosinhos; Comendador Zeferino B. Costa Guimarães; Miguel Gomes Teixeira; Bernardo José de Melo; Vitorino José Pereira da Silva; D. Adelaide Sofia Alves dos Santos; Bernardo Coelho da Silva; D. Maria Leal da Veiga; Joaquim Pacheco Leão; Sebastião Ribeiro de Sousa; Dr. António Mendes de Vasconcelos; António Pereira de Castro; José Soares de Carvalho; Conde de Bovieiro; António Fortunato e Silva; José Maria Pinto; António José Ribeiro; Comendador Rodrigo José e Melo; e vários anónimos. A subscrição conseguiu atingir, no final do ano de 1893, a quantia de 888$000 réis.
Mais tarde, nas várias ocasiões de crise pecuniária em que as obras diminuíam acentuadamente de ritmo ou paravam mesmo, chegaram a ser constituídas várias outras comissões especiais destinadas a angariar os fundos imprescindíveis para o bom prosseguimento dos trabalhos de edificação do templo e de construção do seu extenso parque adjacente. [Nessas comissões ad hoc sobressaíam, de novo, muitos dos nomes das pessoas já mencionadas].


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Conjuntamente com as obras do Santuário, iam-se também desenvolvendo alguns primeiros trabalhos de embelezamento dos escalvados terrenos da sua área circundante, entretanto amplamente alargada. [Esses terrenos, que na sua maior parte estavam na posse da Câmara Municipal de Penafiel, foram cedidos à Confraria da Senhora da Piedade e Santos Passos, a titulo de usufruto, em 16 de Janeiro de 1896; e os restantes, que permitiam ocupar por inteiro todo o monte, foram adquiridos directamente pela Confraria, sendo que a Câmara se comprometia a expropriar aqueles que fossem mais difíceis de negociar].
Começava assim a delineação do que viria a ser o futuro e aprazível Parque de Nossa Senhora da Piedade (agora com o topónimo oficial de Parque Zeferino de Oliveira, porém mais conhecido popularmente como Parque do Sameiro): - dava-se princípio ao belo e amplo adro de forma elíptica; lançava-se uma primeira ponte rústica de madeira, de construção provisória, a unir o adro ao pequeno morro fronteiro, vencendo assim o vão da nova avenida lateral (futura avenida Zeferino de Oliveira) que estava a ser rasgada e ia desembocar na Avenida das Tílias (actual avenida Gaspar Baltar); abriu-se uma gruta numa das reentrâncias do terreno que marginava a álea central do nascente parque; começaram a ser abertos e argamassados, nos afloramentos rochosos do monte, variados assentos rústico; foram colocados os primeiros bancos de madeira nos espaços plainos do monte; ergueram-se, na sua vertente sul, um coreto e um pequeno bazar de prendas; e providenciou-se a formação e desenvolvimento de espaços de verdura, com a plantação das primeiras árvores de grande porte.
E desta forma, ainda bastante incipiente, principiava a esboçar-se aquilo que viria ser um amplo parque público – de lazer, descanso e passeio, com convidativas e repousantes aleias e ruelas – e que envolveria todo o adro e o próprio Santuário. Mas que, só longos anos depois, lá pelas décadas vinte e trinta de novecentos, apareceria finalmente com uma feição bastante pronunciada do que viria a ser o Parque do Sameiro dos nossos tempos. É que a Confraria, com os difíceis problemas de verbas por que vinha passando, não se mostrava nada receptiva à ideia de ter de desviar qualquer soma para as obras do parque, enquanto não concluísse o Santuário cuja edificação, as mais das vezes, se encontrava paralisada pelas referidas dificuldades da tesouraria. 


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Ainda por essa altura, em 12 de Maio de 1894, o deputado pelo ciclo de Penafiel nas Cortes, coronel João Eduardo Sotto Mayor Lencastre e Meneses, conseguiu obter um avultado subsídio do Governo no valor de 1500$00 réis, o qual iria ser, na sua totalidade, aplicado nas obras da construção do desejado templo – templo esse que já era então considerado como um magnificente monumento religioso da cidade, embora ainda só assomasse, timidamente, no cimo do Monte de S. Bartolomeu. [Não muitos anos depois, essa designação passaria a dar lugar a denominação popular de Monte do Sameiro, já que o novo Santuário também começou a ser assim referenciado, certamente por influência do nome do Sameiro de Braga, pois era suposto, pelos penafidelenses, haver alguma analógica entre os dois templos].
E foi então que, em 27 de Agosto do mesmo ano, a população da cidade e o povo das freguesias do concelho, bem como muitos outros crentes de terras distantes do Minho e do Douro – que devotavam grande fé a nossa Senhora da Piedade – organizarem a primeira e importante peregrinação ao Seu Santuário, já a despontar lá no sítio eminente da velhinha cidade de Penafiel. Foram organizados comboios especiais a preços reduzidos, tendo a Câmara Municipal convidado de todas as autoridades, corporações civis e militares, associações humanitárias dos bombeiros e demais forças vivas da cidade para se incorporarem na grandiosa peregrinação ao monte do Santuário da Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos.
Houve missa campal no referido monte, tendo a bateria de Artilharia 6, aquartelada em Penafiel, saudado e elevação do Santíssimo Sacramento com uma salva de tiros. Para acrescentar um maior ambiente festivo ao solene acontecimento que se estava vivendo em profunda grandiosidade, toda a cidade se encontrava embandeirada e o seu emergente Santuário ricamente engalanado.
O cortejo religioso abria com Bandeira Nacional, seguindo-se ordenadamente as representações de todas as freguesias penafidelenses, com os seus párocos, regedores e juntas de paróquia; dez bandas de música cento e trinta confrarias, mais de setenta e seis guiões e estandartes; zeladoras das diferentes associações do Apostolado, com as suas insígnas e escapulários; coros religiosos, muito devotos e penitentes em oração. Incorporarem-se ainda no seguimento do préstito o Centro dos Apostolado da Oração de Penafiel, o andor do Sagrado Coração de Jesus, muitas senhoras da sociedade local, representantes da Edilidade, Autoridades Judiciais, Administrativas e Militares, muitos eclesiásticos, Direcções das Associações Artística e Comercial, a Mocidade Católica de Lisboa e a do Porto, várias outras entidades e muito povo.
Depois da celebração da missa, procedeu-se á bênção e à consagração da cidade de Penafiel ao Sagrado Coração de Jesus, seguindo-se a cerimónia da colocação da primeira pedra para o Seu monumento. Mas o futuro monumento do Sagrado Coração de Jesus, infelizmente, morreu aí com a primeira pedra (como quase sempre vem sendo triste apanágio de outras bem intencionadas iniciativas da nossa terra).
Antes do ano de 1894 ter terminado, em Outubro, mais um pequeno passo em frente é consolidado no lento progredir das obras do templo. O interior da capela-mor fica provisoriamente capela de S. Bartolomeu.
Quase um ano volvido, a 14 e 15 de Setembro de 1895, realiza-se pela primeira vez, também, uma grande e solene festividade em hora de Nossa Senhora da Piedade, já no seu novo templo ainda em construção. Foi, nesse tempo de festa, inaugurada a capela-mor, que passou desde então a estar aberta ao publico, depois de ter recebido a imagem da senhora da Piedade que aí ficou para sempre. Essa antiga imagem, belíssima escultura de artista – imaginário estrangeiro – muito venerada pelas gentes de Penafiel desde o século XVII – foi nessa ocasião processionalmente transportada a partir da igreja Matriz, onde se encontrava recolhida após a demolição da sua primitiva capela no rossio da Piedade. E logo a 21 de Setembro de 896 mais uma festa solene se vai realizar em honra da Virgem da Piedade.
Por essa época o Santuário passou a ser oficialmente denominado, pelos católicos penafidelenses, como o Real Santuário de Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos, embora persistisse como já foi anteriormente referido – a designação popular de Santuário do Sameiro de Penafiel. [Anos mais tarde, em 14 de Julho de 1899, na eleição dos membros da mesa da Real Confraria de Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos, o Rei D.Carlos I foi eleito seu Juiz Honorário].

Após uma nova e acentuada quebra de ritmo, as obras do templo lá se vão penosamente arrastando, em lento compasso. Mesmo assim, conseguiu-se por fim fechar, em 1897, o arco da porta principal.
Entrementes, ultrapassado que foi mais um paralisador hiato de quase dois anos, as obras recomeçam. E conseguem até ganhar um novo impulso, graças á verba de 250$000 réis que o benemérito Gaspar Baltar (proprietário das Termas de Entre-os-rios e do jornal O Primeiro de Janeiro) legou no seu testamento, em Maio de 1899, à Real Confraria de Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos de Penafiel. Como consequência directa deste facto, a torre sineira está praticamente concluída em Outubro desse ano, aguardando-se apenas a vinda da respectiva telha que foi fabricada especialmente para a sua cobertura. E nove anos passados, em 1908, o benemérito penafidelense, Rodrigo da Costa Babo, oferece o carrilhão de sinos para a já concluída torre. Nesse mesmo ano é homenageado um dos principais benfeitores, António Pereira de Castro, que muito contribuiu para a construção do templo.
Mas muito há ainda a fazer para dar forma final ao belo sonho de 1886, que só se tornará plenamente numa realidade concreta entre a segunda e a terceira década do século XX.

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Em finais de 1919, com o advento da Republica e após a morte de Manuel Pedro Guedes, antigo e zeloso juiz da Confraria de Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos, que havia também sido um moderno empreendedor e dinâmico Presidente do Município, as obras do Santuário e do Parque – este ainda em fase relativamente primária – encontravam-se praticamente paralisadas. E em boa verdade, não por escassez de recursos (que não sendo muitos, eram alguns), mas á mingua de um férvido entusiasmo e de uma imanente força volitiva dos irmãos da mesa da Confraria de então – qualidades estas que sobejamente concorriam na forte personalidade do seu antigo e ilustre juiz.
Para se fugir desta espécie de orfandade e do marasmo em que se havia caído; e para dar prosseguimento á construção do Parque, que agora mais parecia uma brenha espessa de renovos de mimosas e austrálias, Ernesto de Melo , jornalista e escritor penafidelense – acérrimo defensor do progresso e das belezas da sua terra -, toma sobre os seus ombros o pesado encargo de dar continuidade ás obras encalhadas do Parque do Santuário. Assim nos primórdios do ano de 1920, auxiliado financeiramente por quotizações mensais de pessoas amigas, começa por mandar desbravar a nascente de água que alimentava o Parque e por abrir a sua primeira alameda – aquela que ainda hoje, correndo paralela à estrada de Melhundos (rua D. António Ferreira Gomes), se dobra depois em ângulo recto, subindo a declividade do monte a par com a rua Dr. Alves Magalhães.
Mas breve se apercebe Ernesto de Melo que, não ajudando em nada a Confraria (que continuava a não querer desviar qualquer verba do seu cofre para ser aplicada na construção do Parque, enquanto não concluísse o Santuário), era-lhe praticamente inviável dar prossecução aos trabalhos a que, com grande entusiasmo bairrista e tão boa vontade, havia metido mãos. Surge-lhe então, e em boa hora, a ideia feliz de construir Comissão Pró-Penafiel, com o fim exclusivo de angariar fundos que possam vir a cobrir as agigantadas despesas a efectuar com delineamento e construção de um amplo e aprazível Parque do Santuário da Piedade.
A Comissão Pró-Penafiel era constituída por cinquenta senhoras e trinta e três cavalheiros da "melhor sociedade elegante penafidelense", e propunha-se "realizar várias diversões e quermesses, cujo produto reverteria a favor de melhoramentos" e de obras novas no Parque. Ora, se mais nenhuma outra vantagem tivesse tido a Comissão, e muitas teve, não deixou, pelo menos, cair em completo abandono aquilo que viria a ser considerado, anos mais tarde, a verdadeira "sala de visitas" da cidade.
Com o produto de quotizações e angariação de donativos; com a realização de bailes, festas elegantes, quermesses, representações teatrais e sessões de cinema, foram sendo obtidas quantias avultadas, e as obras começaram a aparecer. Assim, novas áleas e ruelas são rasgadas por todo o declivoso terreno do monte; é construído um pequeno lago com repuxo central, a meio da encosta sul; aproveitam-se mais algumas pequenas rochas graníticas, à flor do chão, para nelas escavar outros tantos assentos rústicos; plantam-se novas austrálias, plátanos, acácias e carvalhos do Norte, de modo a que se desenvolva em poucos anos um luxuriante e copado arvoredo que venha a cobrir de frescura e beleza o futuro Parque ainda em gestação. E com toda esta acção metódica e progressiva, pretende-se tão somente transfigurar aquela densa brenha de um monte maninho e abandonado, que envergonha, num formoso e amplo espaço de aprazível remanso em que se possa desfrutar todo o encantamento e toda a paz, da própria natureza.
Mas a obra é ingente e os recursos – mau grado toda a boa vontade evidenciada -são escassos e por vezes acabam-se. Árdua foi a gigantesca tarefa a que a Comissão Pró-Penafiel se abalançou. Até que, por um golpe do destino, aparece de visita à sua terra natal (Croca, freguesia de Penafiel) o abastado homem de negócios, grande empresário brasileiro e emigrante de enorme fortuna Zeferino Rebelo de Oliveira. Espírito generoso, modesto mas inteligente, de natural humildade, justo e bom para os necessitados, aberto à modernidade dos novos tempos, Zeferino de Oliveira, inteirado que foi, por Ernesto de Melo, do andamento penoso das obras do Santuário e do Parque, acabou por aceitar, a 15 de Setembro de 1921, a sua nomeação para presidente efectivo da esforçada e bem intencionada Comissão Pró-Penafiel. E esta foi a iniciativa mais feliz que a referida Comissão tomou, demonstrando assim todo o valor do seu verdadeiro mérito.

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Com o surgimento de um verdadeiro mecenas há muito desejado, mas que tardava em revelar-se, nada mais vai ser igual ao que foi. Daqui para o futuro, quer o Santuário quer o Parque – ambos ainda em plena fase de crescimento – vão ganhar um novo impulso e uma nova vida, sem mais interrupções ou quebras bruscas na progressão das obras. O sonho vira realidade. Todo o exterior do Santuário aparece já acabado na obra de pedra, em 1922. A sua cobertura, com a cúpula rematada pelo respectivo Zimbório, está também concluída. Apenas há que proceder, exteriormente, ao reboco das paredes. Os acabamentos e arranjos do interior do templo, e a construção do altar-mor e dos altares laterais, em mármore, vão ficar para muito mais tarde, lá para meados da década de trinta. Porém, a monumental e graciosa escadaria que do extremo nascente da álea central do parque dá acesso directo ao adro do Santuário, começa igualmente a construir em 1922.
No parque inicia-se a construção do lago grande (desenhado pela Companhia Hortícola Portuense), rompendo-se fragas e nivelando alicerces; levantam-se muros de suporte; surribam-se terras; exploram-se e canalizam-se mais águas; rasgam-se novas ruas e aleias, e preparam-se canteiros para a plantação de arbustos. Todo o parque se acha num autêntico frenesim de trabalhos e obras, chegando a estar ocupados, simultaneamente e em tarefas várias, mais de cem operários. E tudo a expensas de Zeferino de Oliveira que entretanto regresso ao Brasil.
Voltará ainda em 1923, para rever familiares e amigos, e aquilatar dos progressos das obras, que haviam avançado consideravelmente, sem qualquer afrouxamento. Depois, vai prometendo reaparecer, mas os anos passam sem que tal aconteça. Em 1929, quando já preparava a sua viagem a Portugal, é conhecida a infausta notícia do seu falecimento. O total apoio financeiro do grande benemérito termina aqui, com a sua curta existência de 55 anos. Mas a obra já não era mais sonho. Era bem antes uma feliz realidade, visível e concreta – essa «silhueta donairosa de fé cristã» que se erguia majestosa no «topo do parque , já frondoso e verdejante», nesse belo «cenário de arte que Zeferino de Oliveira tracejara com enternecedor carinho» (como disse sentidamente, no discurso das exéquias o referendo Dr. Avelino Soares, penafidelense ilustre e também  grande benemérito amigo de admirador de Zeferino de Oliveira).

A partir de 1929, e ainda nos dois primeiros anos da década de trinta, tudo o que até aí havia sido feito assim permaneceu. O que estava inacabado, inacabado ficou. O próprio Parque estava quase ao abandono.
É então que a câmara Municipal de Penafiel resolve chamar a si a responsabilidade de concluir o que ainda havia a fazer, e muito era, no Parque da Senhora da Piedade. E de tal modo se houve a Edilidade que, em 11 de Julho de 1993, o jornal O Penafidelense noticiava que «está realmente encantador o Parque do nosso Santuário». A 1 de Outubro de 1934 a câmara delibera, em sua reunião ordinária, inaugurar o busto de Zeferino de Oliveira no Parque que, entretanto, já havia recebido o seu nome, tal como a avenida que o ladeia pela parte norte. [Esta justíssima homenagem já havia sido pensada e formulada, em 1922, pela comissão Pró-Penafiel mas Zeferino de Oliveira opôs-se categoricamente, ameaçando mesmo em cortar todos as verbas necessárias para os trabalhos do Parque e do Santuário].
As obras de acabamentos e arranjos no interior do Santuário, sob a direcção do Eng. Major Pedro Pezarat, iniciam-se em 1935 e prosseguem em 1936, suportadas pela avulta importância de 100 000$00, oferta do filho de Zeferino de Oliveira, Mário Rebelo de Oliveira. Mas os Altares de mármore, previstos para o templo, já não são abrangidos pelo donativo que se torna insuficiente para a conclusão das obras de revestimento e pintura das paredes interiores, e do fecho interno da cúpula com os seus respectivos frisos e ornamentos.
Para melhoramento do parque, pedia-se, através de um artigo publicado nas páginas de O Penafidelense de 21 de Janeiro de 1936, que o mesmo fosse iluminado convenientemente pela câmara Municipal.
O altar-mor e os altares laterais foram erguidos entre os anos de 1937 a 1939, pois bem me recordo de ir ver, nesses tempos da minha descuidada infância, com muita curiosidade e interesse de menino, os belos trabalhos que os artífices marmoreiros talhavam a pedra de Vila Viçosa.
Mas ainda de novo, em Maio de 1958, foi nomeada mais uma Comissão – a somar a tantas outras que ate então já haviam existido – para impulsionar os trabalhos de conclusão do templo, sobretudo do seu respectivo adro, cujas obras ainda decorriam em Junho de 1959, setenta e três anos dobrados sobre o dealbar de um sonho.
Nessas décadas de cinquenta, e nas sequentes, há que realçar o acrisolado bairrismo, inquebrantável dedicação e afervorado entusiasmo de várias personalidades penafidelenses, entre muitas, que por esse tempo dirigiram os destinos e intervenções da Confraria de Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos, ou com ela colaboram activamente nas suas iniciativas em obras novas ou de beneficiação no Santuário da Piedade: - Justino Ribeiro de Carvalho, Abílio do Nascimento Luís do Fundo e António Justino do Fundo.
Mas no tempo actual, os trabalhos nunca pararam. São de destacar os da responsabilidade directa da Confraria: - Grandes obras de conservação e restauro do Santuário, interior e exteriormente; protecção do átrio com belas e seguras portas de vidro, artisticamente colocadas nas suas arcadas; aquisição de mobiliário litúrgico, como o ambão e a moderna mesa de mármore alentejano, de lavor primoroso, para celebração da Eucaristia. Outro tanto, merecem relevo os da responsabilidade directa da Câmara: - a iluminação, em suaves pinceladas de luz, de toda a superfície externa do templo; novo sistema de luz, com mais numerosos, decorativos e funcionais candeeiros de jardim, criteriosamente alinhados nas áleas centrais e sul do Parque; arranjo e embelezamento cuidadoso da zona setentrional e nascente, exterior ao adro, e delimitada pelo monumento a Nossa Senhora e o cruzeiro dos centenários.

Finalmente o Santuário de Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos de Penafiel reencontrou o seu caminho de renovação e progresso, graças ao vívido esforço, entusiasmo e dedicação dos irmãos da actual mesa da Confraria, José Magalhães da Silva, José Licínio Ferraz, Américo Mendes Ferreira; e de outros irmãos interessadamente colaborantes, como Joaquim Mário Garcês Pereira. Facto esse a que não foi alheio o total empenhamento e o espírito dinamizador do reverendo Pároco da Freguesia, P.e Gabriel da Costa Mais. E bem assim a valida e insubstituível contribuição da Edilidade, e sempre atenta e preocupada com o embelezamento do Parque – de modo que um e outro se afirmem, respectivamente, como autentico símbolo ex libris de Penafiel e atractiva sala de vistas da cidade.   
A data de 14 de Julho de 2002 é mais um marco, o maior e o mais recente, na história mais que centenária do Santuário de Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos. Em 1 de Fevereiro de 1886 iniciou-se a caminhada de um sonho, quanto o primeiro cabouco aberto recebeu a primeira pedra do primeiro alicerce. Era o nascer do Santuário. Agora, em 2002, no alvorecer do terceiro milénio do cristianismo, ao proceder-se á celebração da sua dedicação, que foi presidida pelo Bispo do Porto, D. Armindo Lopes Coelho, a gesta do templo de Nossa Senhora da Piedade e Santos Passos atingiu o seu ápice. É, neste nosso tempo de mudança, um notável centro de Fé, glorioso e ascendente hino de amor á Virgem da Piedade; é jóia esplendorosa, artisticamente engastada no dominante tom esmeralda do arvoredo do belíssimo Parque; é todo aquele velho sonho em que os penafidelenses do século XIX determinadamente preservam para que se tornasse realidade e que, neste nosso tempo presente, os penafidelenses do século XXI, em filial reconhecimento, testemunham e confirmam que Deus assim quis.


Penafiel, Julho de 2002.

Texto elaborado por: J. J. Mendes

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